sexta-feira, 4 de novembro de 2016

PACIENTE FALANDO DE QUETIAPINA

Quetiapina


  Já fazem cinco meses que estou no abrigo. Fora me dado um prazo inicial de permanência de dois meses. A assistente social não me havia procurado até então, e fiquei até agora quietinho no meu canto, sem fazer nenhum furdunço para não chamar a atenção.
    Mas hoje lá estava ela, sentada na recepção, no horário de entrada, que é entre cinco e oito horas da noite.
    - E ai Júlio, já foi no CERSAM?
    - Eu não, sei que se eu for lá irão me dar haldol...
    -Mas para continuar aqui você tem que estar frequentando o CERSAM.- ela retrucou.
    - Tá legal, eu vou lá sim, mas só vou tomar medicamento se for a quetiapina, pois as pessoas falam muito bem dele.
    Conversamos mais um pouco em sua sala. Ela disse que eu poderia surtar e tals, mas eu disse que existem pessoas bem mais loucas do que eu e que estão andando por ai, e que entrar para o abrigo me fez sentir a pessoa mais normal do mundo. Ela fez o encaminhamento e me deu quatro vales-transporte.
     No dia seguinte, às seis e meia da manhã já estava sentado em frente ao CERSAM nordeste, meio sem esperanças de conseguir a quetiapina, que custa mais ou menos uns oitenta reais.
    Já havia experimentado o melleril, o haldol, tanto em comprimido como o injetável, stelazine, olazanpina, cropormazina, olazanpina, risperidona e mais uns dois que nem me lembro o nome.
    Tirando a cropormazina, não tenho boas lembranças dessas minhas tentativas com os medicamentos. O haldol me causou acatisia e rigidez muscular. O stelazine idem. A risperidona me deixou muito dopado e lenta, além de me dar uma fome danada. Mas nada foi pior do que a minha experiência com a olazanpina, que custa cerca de 700 reais a caixa.
    É uma burocracia danada conseguir este medicamento pelo governo, mas, depois de um mês, chegou para mim uma caixa da olanzanpina. Estava esperançoso, pois, pelo preço, pensei que iria me fazer muito bem, e de que se tratava de um medicamento totalmente diferente dos que eu já havia experimentado. Mas o que me aconteceu foi bastante desolador. Apenas um comprimido me fez ficar deitado dois dias consecutivos. A única coisa que consegui fazer nesse período foi me arrastar até a padaria e comprar um bolo e um "lidileite"
 
    Voltando ao assunto do post, fui muito bem atendido no CERSAM nordeste, para minha surpresa. Uma longa entrevista com dois caras no acolhimento e duas consultas marcadas: uma com a psicóloga Vera e a outra com a psiquiatra Nathália(lembrei dos nomes por que está escrito no receituário).
    A conversa com a psicóloga foi mais ou menos parecida com a do acolhimento. É complicado e um pouco triste ficar relembrando tudo aquilo, mas no geral me senti bem, é sempre bom conversar com alguém. O atendimento também foi muito bom, acho que fiquei meia hora nesta consulta.
    O pessoal lá é tão gentil que conseguiram adiantar a consulta com a psiquiatra e no mesmo dia já sai com quatro caixas de amostras grátis de quetiapina. A psiquiatra também foi super atenciosa, não tenho do que reclamar. A diferença é muito grande em relação ao SUS em outras cidades.
    A Nathália me receitou dois comprimidos de 25mg nos três primeiros dias, aumentando a dose para 100mg no quarto dia. Como as minhas experiências com os outros medicamentos não foram muito agradáveis, resolvi tomar só um comprimido de noite. Estava na cama conversando com os vizinhos do quarto quando o sono foi aos poucos tomando conta de mim. É só isso o que me lembro. Tive uma boa noite de sono e não acordei nenhuma vez de madrugada, mesmo com a presença do galo do vizinho, que todo noite, pontualmente às três horas começa a sua cantoria. O canto é sempre o mesmo, curto e repetitivo. Muitos caras lá do abrigo já chegaram a perguntar se aquela cantoria era uma gravação.
     Dormir eu conseguir, mas o problema foi acordar.
    -Alvorada! Bom dia meu povo!- pontualmente às cinco da manhã, o monitor anunciou o novo dia, que ainda estava escuro, por causa do horário de verão.
    A sensação era de ressaca, e das brabas. Cuidadosamente e vagarosamente desci do beliche. Não tive ânimo para tomar o banho matinal. A única coisa que queria era dormir de novo. Tomei rapidamente o café e foi para o parque tirar um cochilo, para passar a ressaca, que só foi acabar por volta das dez horas da manhã. O efeito da quetiapina só foi sumir mesmo por completo por volta das quatro horas.
    - Amanhã vai ser melhor, pois irei me acostumar com o medicamento aos poucos. - pensei.
    Mas não foi bem isso o que aconteceu. O segundo dia foi mais complicado ainda para me levantar e acabei tirando um cochilo no passeio mesmo, perto do albergue. A ressaca durou o dia inteiro, mas tenho que dizer que a minha mente ficou mais tranquila, apesar de não tomar a dosagem recomendada. A presença de estranhos já não me incomodava tanto assim, estava menos temeroso, as paranoias não me afetavam tanto assim.
    - Que dia irão inventar um medicamento que atue só na mente sem prejudicar o físico? - me lamentei, pois estava me sentindo bem emocionalmente.
    No terceiro dia resolvi não tomar o medicamento, mas fiquei ainda com um pouco do efeito dele. Estava super relax, o dia inteiro deitado no banco do parque, contemplando a natureza, sem dar importância a nada. Naquele estado não iria viajar para São Paulo, parecia que eu estava sob o efeito da maconha, apesar de não estar rindo à toa(já experimentei umas três vezes, mas não uso mais). Estava tudo bem para mim naquele terceiro dia, apesar de um pouco lento.
     Posso dizer que a quetiapina estava me fazendo um bem danado, tenho que reconhecer, não sou radical na minha opinião sobre os medicamentos. Mas no meu caso em específico é complicado usar esses medicamentos. Tenho que acordar às cinco horas da manhã no abrigo e, quando durmo na minha barraca por ai, não posso ficar muito dopado. Se aparecer algum ladrão de madrugada é capaz de roubarem até a minha humilde residência sem eu perceber. Mas para quem tem essa possibilidade de acordar tarde e não se deu bem com outros medicamentos, recomendo que experimentem. Sinto que sou meio fraco para esses antipsicóticos, se fiquei muito sonolento com apenas 25mg, imaginem o que aconteceria se tomasse a dose recomendada, que é de 400mg.
    Um outro efeito negativo que notei foi em relação  as emoções. Se por um lado os pensamentos negativos e complicados foram controlados, as boas emoções também desapareceram. Estava meio robotizado, tanto fisicamente com emocionalmente, não achando graça em nada do que via e no que pensava enquanto estava sob o efeito do medicamento. Provavelmente não iria achar graça nenhuma em sair viajando por ai, nas minhas andanças, ir a um show,etc. É um dilema e dos grandes decidir se toma ou não os medicamentos, é preciso fazer uma profunda análise dos prós e contras, como já disse várias vezes, a expressão "cada caso é um caso" na esquizofrenia tem uma dimensão ainda maior.

   Por fim gostaria de dizer que não sou contra os medicamentos, já teve psiquiatra me enviando comentários pedindo para me retratar de algumas coisas do que posto. O que posto não é a verdade, não sou dono dela, apenas posto o que sinto e o que penso, é algo que gosto de fazer e muitas pessoas acham que o que posto ajuda de alguma maneira a entender esse mundo tão complicado que é a esquizofrenia.
    Gostaria também de agradecer aos grupos do facebook que autorizam o link de algumas postagens minhas. Não sei o motivo de muitos grupos lá do face proibirem a divulgação do meu blog, talvez seja por eu não ser um profissional da área de saúde, e o que já passei e pesquisei não sirvam para nada.
-obs: me desculpem alguns erros de português, algumas palavras repetidas e tals, mas, na lan house é difícil de ficar revisando o texto, pois o tempo é dinheiro nessa situação. No mais, boas festas a todo mundo, feliz natal e também feliz todos os dias de nossas vidas.

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